Eneatipos

Introdução

Nos referimos muito até então aos tipos do Eneagrama como “Eneatipos”, ou mesmo apenas utilizando a letra E seguida do número do tipo. Contudo, o que exatamente é um Eneatipo?

Um Eneatipo se refere a um tipo de personalidade baseada em três aspectos centrais: neurose, fixação e mecanismo de defesa. Poderíamos dizer que um tipo do Eneagrama é, em suma, um tipo do ego, uma vez que Óscar Ichazo os definia assim em sua Protoanálise. No entanto, “ego” vai além do sentido coloquial, referindo-se a uma estrutura triádica deste. O que entendemos como ego coloquialmente se refere mais à parte caracterizada pela fixação: uma parte convicta, preconceituosa e intelectual do ego. Mas ele também se constitui de duas outras partes além do intelecto: a paixão (ou neurose), caracterizando a emoção e a vida social, e o mecanismo de defesa, representando o movimento e a vida concreta. Recomendo ao leitor ler “Estrutura dos Eneatipos”, prefácio do meu ensaio “O Prisma das Neuroses”, após o término desta página.

Podemos observar a aplicação das “leis” do Eneagrama na estrutura dos Eneatipos. A lei da unidade demonstra como nenhum tipo de personalidade possui mais ou menos problemas, vantagens ou defeitos em relações às outras. Ainda que um tipo de caráter possa vir a enfrentar mais tribulações na vida em sociedade atual, isso não significa que existe um tipo melhor ou pior de modo absoluto. Além disso, a lei do três indica a própria estrutura do ego: todo Eneatipo é formado pela estrutura de Paixão-Fixação-Defesa. Essa estrutura segue o mesmo fluxo da conexão psicodinâmica dos tipos centrais: a Formação Reativa (Defesa) leva um preconceito fixado de que, para melhor demarcar seu território no mundo concreto, deve ser mais perfeito (Fixação). Em decorrência do Perfeccionismo, existe uma emoção viciada, uma neurose, que se caracteriza pela oposição ao fluxo natural das coisas, uma atitude de “empurrar o rio” — a Ira (Paixão). Por sua vez, a Ira é sustentada pelo papel da Formação Reativa: justifica-se o comportamento raivoso com um viés de ação (F.R.), ação cujo objetivo é o perfeccionismo (Fix.), cujo objetivo, por sua vez, é justificar o sentimento interno de raiva e conquistar a serenidade. Conclui-se, então: o ego, segundo o Eneagrama, é dinâmico.

Essa dinamicidade e movimento nos leva à lei do sete, que sugere um funcionamento cíclico e ordenado do sistema. Daqui, entendemos os movimentos intertipo e partimos para a compreensão das relações psicodinâmicas. Vale ressaltar que existe tanto a conexão como a relação psicodinâmica. A conexão psicodinâmica é um movimento egoico que se dá entre os tipos 9-6-3-9, como mencionado no parágrafo anterior em relação à estrutura do ego dos Eneatipos. A relação psicodinâmica, por sua vez, se trata de uma relação entre as estruturas de tipos conectados na sequência cíclica 1-4-2-8-5-7-1, de modo que o próximo tipo da sequência, numa relação com o traço principal do tipo anterior, origina seu próprio traço fundamental. Observemos a ordem 7-1-4, por exemplo. A Ira (Paixão) do E1 pode ser considerada como uma Formação Reativa (Defesa) em relação à Gula (Paixão) e ao Planejamento (Fixação) autoindulgente do E7. Deste modo, é como se a paixão do E1 consistisse precisamente em se mover contra o prazer, priorizando o trabalho e desaprovando a autoindulgência narcisista implícita no Planejamento. O E4, por sua vez, Introjeta (Defesa) a Ira (Paixão) e o Perfeccionismo (Fixação) do E1, tornando-se alguém demasiado reprimido na expressão de sua interioridade e com dificuldades em ser assertivo. O E4 se torna alguém muito submisso e insatisfeito, vivendo de comparações para ganhar o direito de se expressar.

Leituras

Para iniciar a compreensão dos Eneatipos, apresento neste capítulo um plano de estudo baseado em minha experiência pessoal. Alerto ao leitor que não se preocupe por não saber aplicar devidamente as informações até então apresentadas. Errar é um grande passo para o sucesso. Na verdade, é importante que passe pelas opiniões errados, mas não tão essencial quanto expressá-las para ser corrigido.

A primeira leitura que deve ser feita é sobre as nove paixões do Eneagrama, por Cláudio Naranjo. Disponibilizo-as como versão reduzida da minha tradução das Paixões dos Eneatipos, do livro “27 Personagens em Busca do Ser”.

Após a leitura anterior, indico ler o prefácio “Estrutura dos Eneatipos”, do meu ensaio “O Prisma das Neuroses”. Em seguida, recomendaria a releitura das paixões, e também das páginas 1-50 do livro “Caráter e Neurose”. E, após este, indico a leitura da Diferenciação dos Eneatipos.

Este é todo o conteúdo básico para se ter uma boa compreensão sobre os Eneatipos. O próximo passo deixa de ser uma introdução ao sistema, e passa a ser o estudo propriamente dito do Eneagrama. O último passo, portanto, é a leitura do livro completo de “Caráter e Neurose”. Após a leitura de tudo o que foi indicado, considero o leitor pronto para leitura dessa integração à neurose, elaborada por Naranjo.

Diferenciação e Psicodinâmica dos Eneatipos

Agora que entendemos as tríades, podemos começar a analisar os Eneatipos. No entanto, antes de apresentar as breves descrições diferenciativas, acho importante citar as relações psicodinâmicas, mencionadas por Naranjo em “Caráter e Neurose” (o livro mais essencial para a compreensão sobre o Eneagrama).

As relações psicodinâmicas ocorrem entre as “flechas” do Eneagrama. A princípio, tínhamos uma ideia de caminhos de integração e desintegração para os Eneatipos, mas atualmente vemos como uma pessoa pode partir para ambos os seus caminhos tanto para a desintegração como para a integração (ainda que pareça haver uma preferência). Note que, na introdução, a primeira imagem apresenta um Eneagrama colorido (com flechas vermelhas representando a desintegração e azuis representando a integração), reunindo também figuras desenhadas pela artista @KERKIKERK para facilitar a compreensão. A ordem de “desintegração”, isto é, das relações psicodinâmicas, seria 1-4-2-8-5-7-1, para os tipos estelares, e 3-6-9, para os tipos angulares.

Ainda não consegui interpretar devidamente esse sentido relacional para os tipos angulares, no entanto, os tipos estelares estabelecem essa dinâmica com seu tipo anterior, de modo que a Paixão de um é o seu Mecanismo de Defesa sobre a Paixão de seu predecessor — e, eu diria, com um potencial ou tendência à de seu sucessor. Deste modo, analisemos a relação 7-1-4, onde o E1 é o tipo central. O E1, conhecido como o perfeccionista, pode ser considerado um indivíduo cuja paixão reflete uma formação reativa em relação à paixão do E7, a gula. Assim, o E1 é conhecido como alguém que trata o prazer e a autoindulgência como um tabu, bem como o planejamento. Assim, o E1 reflete a ordem, mas tendendo a uma comparação, uma valoração ética implícita e narcotizada (que eu diria ser seu “4 implícito”). E, nesse caminho, o E4 pode, do mesmo modo, ser interpretado como detentor de uma paixão caracterizada pela introjeção da raiva (tendo em mente que a raiva consiste em uma oposição ao fluxo natural das coisas, e não necessariamente uma emoção). O E4, então, engole o próprio veneno, sentindo profundamente sua carência e seu sofrimento, pois vê como um tabu manifestar esse veneno — ou seja, manifestar a raiva, a formação reativa, o perfeccionismo que implicitamente sente em relação ao mundo. E o “2 implícito” do E4 seria a visão de que, sofrendo, ele torna-se mais do que os outros e que, assim, é mais original, sentimental, genuíno e sincero do que qualquer um — sente-se implicitamente bondoso e, quiçá, divino.

Agora, observemos as descrições diferenciativas dos Eneatipos:

E9 — No E9, as soluções dos problemas são sempre procuradas no externo. Neste tipo, existe uma Supressão da Vaidade, isto é, do Anseio (3-9). As vontades pessoais são suprimidas, de modo que o indivíduo adota uma postura passiva diante do mundo e constrói sua personalidade tornando-se inerte e inconsciente à própria interioridade através do movimento que realiza em busca da harmonia e da estabilidade. Enquanto o E1 se move contra o fluxo do rio da vida, o E9 se abandona nele: este é o ponto do adormecimentono Eneagrama.

E8 — Busca pela justiça em prol de proteger através da força aquilo que ama. A Negação consiste numa oposição ao sentimento de ser mal por conta da alta energia raivosa, de modo que o indivíduo se enrijece sentimentalmente e reprova completamente a postura passiva. A fragilidade, como dito, é algo negado (2-8). O E8 “contraintrojeta” a maldade no mundo; ou seja, enquanto o E4 introjeta o mal em si, o E8 vê o mundo como mal e se nega a se sentir inadequado ou monstruoso.

E1 — Busca pela perfeição/controle para ter o direito de exigir aquilo que deseja. A Reação Formativa consiste num movimento de oposição à realidade, uma rigidez perante a vida, um movimento contra o fluxo das coisas. O prazer é tido como algo secundário e, na maioria das vezes, o E1 se move contra ele (7-1). Ele é o extremo oposto da violência; ele age por trás da boa intenção e da virtuosidade a fim de conseguir aquilo que deseja.

E2 — Busca pela liberdade através de um caráter que anseia de maneira declaradamente otimista. O sentido da vida poderia ser dito por eles como o prazer de cunho emocional/sentimental. A boa imagem é algo assumido sem qualquer esforço através de uma Repressão do sentimento de carência (4-2), de modo a se ver como detentor de um grande valor, enquanto o mundo é um lugar a ser explorado. O medo do abandono é superado pela Falsa Abundância, onde o indivíduo busca, acima de tudo. se tornar indispensável e valioso. O indivíduo E2 conquista aquilo que deseja através da Sedução. Ele acredita que tem grande poder de doação aos outros e pode se sentir o mais importante do mundo, sendo um grande manipulador de imagem e ambientes em potencial.

E3 — Busca pela eficiência para alcançar o sucesso e, portanto, fazer com que sua imagem receba luzes, aplausos e elogios. Eles se Identificam com uma Projeção da sua imagem, de modo que a psique gravita em torno dessa imagem e não em torno do verdadeiro eu. É o tipo do Anseio, oposto à Aversão e à ansiedade (3-6), sendo um personagem controlado e agradável, capaz de promover a si e aos outros através da fala — é um manipulador de imagens e sistemas. O indivíduo E3 conquista aquilo que deseja através do Engano e da promoção.

E4 — Busca pela autenticidade, pela expressão mais genuína da substância individual do ser. Eles Introjetam a Raiva, guardando-a dentro de si devido a um sentimento de Falsa Deficiência (1-4). Isso os caracteriza como dependentes, existe um dilema: “não posso expressar a minha insatisfação com as coisas, então devo guardar isso dentro de mim”. A Introjeção da raiva traz uma introjeção da maldade, pois a Raiva é o oposto da boa intenção. Assim, o E4 se sente deficiente e conquista aquilo que quer através da expressão dessa deficiência: ele é um personagem que sofre. Naranjo diz que é como se os E4s tivessem adotado o mecanismo de defesa do choro na infância. Enquanto o E2 se identifica com uma boa imagem natural e o E3 constrói uma imagem agradável, o E4 é incapaz de se identificar com sua persona, sentindo como se todos pudessem ver seu interior e suas carências. Ele é socialmente ansioso e possui desejos acovardados.

E5 — É um personagem observador, é como se estivesse separado do mundo por trás de uma barreira invisível. Devido à sua hipersensibilidade às dores do mundo, existe um Isolamento das posses abundantes (8-5), de modo que, enquanto está distante do mundo objetivo, possui um mundo interior e subjetivo extremamente rico, embora isolado e muitas vezes intranscritível. O E5 acredita ter pouco, e sente ainda mais fortemente que o mundo pode destruir, invadir, corromper ou tomar este pouco. Ele conquista aquilo que quer por meio da intuição, da observação e do conhecimento. É altamente estudioso. Sua “covardia” ocorre na expressão dos reinos interiores, sejam emocionais, sentimentais, fantasiosos, etc. É um perfeccionista altamente retraído. No fundo, o isolamento é uma forma de atacar o mundo, desenvolvendo uma independência dele e produzindo uma frieza através da distância.

E6 — O E6 é um personagem fixado na Dúvida, representando o ponto da Aversão no Eneagrama. Nele, existe uma Projeção constante em relação à culpa (entre ele e os outros, ou ele e a autoridade) e à ação (9-6). O Medo é uma inibição da ação presente e dos sentimentos de raiva por consequência do constante sentimento de culpa e ambivalência com o qual lida. O E6 busca por segurança e alcança aquilo que quer através do pensamento ruminante — ou pelo menos tenta. O E6 é o personagem mais variável do Eneagrama, variando em suas formas. Na busca por segurança e certeza, o SP6 é um personagem caloroso e afetivo, definitivamente inseguro e bastante ético; o SO6, do lado oposto, deseja ser como a autoridade e é extremamente lógico, buscando segurança ao ter certeza absoluta das coisas (as coisas são preto e branco, oito ou oitenta); o SX6, no entanto, é o personagem contrafóbico, aquele que vai contra o medo. Enquanto os outros E6s são como personagens castrados (ou seja, sem o poder da autoridade), o SX6 age como se tivesse ou emulasse uma prótese através da força ou da beleza. É um personagem também bastante lógico, mas muito mais assertivo, imponente, colérico e, de certa forma, ativo. No personagem contrafóbico, a covardia/insegurança é suprimida através da projeção de uma imagem de força.

E7 — O E7 é um personagem idealista, em constante Racionalização do Medo e Planejamento da ação. O foco do E7 é um futuro brilhante, ideias geniais ou confrontos sutis e cômicos contra a autoridade. O E7 é um guloso por estímulos psíquicos, por segurança ou por inflação do próprio ego. Dessa forma, de forma oposta ao E5, através da racionalização da distância entre o indivíduo e o mundo, é como se as coisas boas fossem projetadas para fora numa visão idealista do E7. Ou seja, o caráter oral-receptivo vê o mundo como uma fonte ilimitada de prazeres diversos. Este tipo consegue aquilo que quer através de uma forte intuição, astúcia e sagacidade. Ele é inteligente e sabe como persuadir os outros a fim de conseguir aquilo que deseja, por isso é tido como um “tipo charlatão”. Ele encanta a maioria e pode ser naturalmente pomposo, embora tenha uma polaridade de distância. Geralmente, ele é nitidamente expansivo e encantador, embora em alguns casos possa ser mais oportunista e, em certa medida, até mesmo apresentar um comportamento dotado de traços narcisistas.

Last updated