Tríades

Para dar início à compreensão dos Eneatipos, é criticamente necessário entender as tríades. Quando dizemos apenas “tríades” sem complemento algum, nos referimos aos “centros de inteligência” do Eneagrama, sendo eles o cardíaco-emocional (2-3-4), o cerebral-intelectual (5-6-7) e o intestinal-motor (8-9-1). As tríades são consideradas a partir dos “tipos angulares”, isto é, os tipos centrais de cada tríade, pertencentes ao triângulo interno do Eneagrama — são eles o E3, o E6 e o E9. As tríades, portanto, indicam “a natureza da neurose” de seus tipos. Os cardíacos são tipos emocionais focados na sociedade, enquanto os cerebrais são focados na análise intelectual do mundo de modo distanciado, e os intestinais, por sua vez, no desvio da consciência em virtude da sobrevivência e da conquista do espaço físico concreto.

Os tipos centrais são a base de todos os outros tipos do Eneagrama. Poderíamos considerar os outros seis tipos como mesclas entre dois dos tipos centrais/angulares, embora apenas isso não baste. A tríade cardíaca tem como centro o E3, cuja neurose se baseia numa busca pela identidade aos olhos do outro, numa performance social, numa certa busca por aprovação. O preconceito geral desta tríade envolve a crença de um forte valor individual, o desenvolvimento e o julgamento de papéis socialmente necessários e prestativos. A tríade cerebral, por sua vez, tem como centro o E6, cuja neurose se baseia numa preocupação com a segurança diante de um mundo perigoso e imprevisível. O preconceito geral desta tríade envolve uma posição de superioridade intelectual, uma onisciência, uma certeza sobre um mundo observado de longe. Por fim, a tríade intestinal tem como centro o E9, e designa aqueles que pensam e sentem menos para poder afirmar o próprio ser no mundo de modo mais objetivo e concreto. A consciência dos intestinais é narcotizada por meio da atividade constante, e o preconceito desta tríade está numa desconsideração da interioridade.

As tríades correspondem aos três venenos budistas, de modo que os Eneatipos respectivos ao vértice também o fazem. O conceito em questão é sobre a decadência humana, mas o budismo vai além de entendimentos de amor abundante versus desejo deficiente, explicando a queda espiritual em função dos três venenos. Os venenos, então, em ordem 3-6-9, são o anseio (avidez/desejo), a aversão e a inconsciência (acídia). O desejo e a aversão são pontos opostos entre si, embora tenham o mesmo caráter: uma motivação deficiente; enquanto isso, a inconsciência é igualmente contrária a ambos, caracterizando uma ignorância ativa. Desenvolvo abaixo, com base nos “Enneamaps” de Katherine Fauvre, e no livro “Caráter e Neurose” de Cláudio Naranjo, uma densa descrição sobre as tríades. Após a leitura dos textos, o resumo apresentado nos títulos pode ser utilizado para a análise triádica geral.

Coração — Sentimento, Emoção, Vergonha, Falsificação do Eu, Integração Social, Passado, Dor Emocional e Busca por Atenção

Os tipos da tríade Cardíaca correspondem ao centro de inteligência emocional. Desse modo, valem-se e dependem de tal inteligência para entender suas próprias reações no mundo e para se conectar com os outros. Têm um desejo de afetar positivamente e se conectar com os outros; se concentram em relacionamentos; são afetuosos, emotivos e adaptáveis. Embora por vezes não expressem tão abertamente, são motivados a agir quando sentem uma ansiedade emocional. Acima de tudo, querem evitar sentir tristeza e vergonha, e serem vistos como tendo mérito e valor aos olhos dos outros durante sua busca por atenção e admiração.

Eles reagem com emoções ardentes antes de tudo. Também, se conectam com outras pessoas em um nível especialmente empático e entendem o mundo por meio de suas emoções sobre ele. Os tipos do Coração são guiados pelos sentimentos conectados aos seus relacionamentos emocionais com pessoas, coisas e, de modo mais abrangente, com tudo. Valorizam coisas como apoio emocional, reconhecimento, inclusão, liberdade de identidade/espírito e conexão. Nessa tríade, respectiva a um sentimento de dor (e, portanto, busca) emocional, temos o E2, o E3 e o E4.

Vemos que os tipos do Coração usam a tristeza (ou outros maus sentimentos) para avaliar o que está certo ou errado em suas vidas. Se preocupam muito com a imagem e se os outros vão gostar deles como eles são. Além disso, têm maior foco no passado. Seu ego se direciona a cobrir uma vergonha interna intensa, proveniente de feridas emocionais contra a sua autoimagem ou espírito livre (é uma necessidade de se integrar através de “não ser você, mas sendo”, com atitudes sociais extrovertidas à parte da interioridade).

Na tríade Cardíaca, observamos: movimentos sobre anseio/desejo/avidez; apego; identificação com o “falso eu”; medo de ser ignorado/abandonado; necessidades de afirmação/atenção; ausência de reflexão precisa (infância); emotividade; profundidade emocional; manipulação de imagem social; obediência; atitude socialmente extrovertida; maior “feminilidade” social; associação ao Yin e ao hemisfério direito do cérebro — O cérebro direito é responsável por funções como criatividade, imaginação, intuição, percepção visual e pensamento holístico. Ele é mais associado às habilidades artísticas, à compreensão de padrões e à apreciação das artes visuais.

Sobre a tristeza associada ao emocional ferido dos tipos Cardíacos, observamos diferentes reações: o E2 tende a aprisionar, “reprimir” ou “introjetar” a tristeza, porque só se preocupa com os outros, e então espera ser amado em troca da mesma forma; o E3 tende a esconder ou enterrar (até para si mesmo) sua tristeza dentro de si, pois seu objetivo principal são metas, e ele acredita que sentimentos atrapalham a(s) conquista(s) e o(s) reconhecimento(s) que deseja; o E4 externaliza a tristeza, sendo o mais intenso e profundo dos tipos Cardiais, e usa esse sentimento como se isso lhe concedesse algum tipo de prazer ou elevasse sua dignidade.

Notamos, também, determinadas declarações, estilos, focos e medos fundamentais nos Eneatipos. Para o E2, que tem um medo de ser sem valor, inútil ou inconsequente (Orgulho), notamos seu foco naquilo que é necessário em ambientes, relações (etc.) e seu estilo conselheiro e prestativo. Para o E3, que tem um medo de ser ineficiente, desmascarado, incompetente ou incapaz de realizar algo (Vaidade), notamos seu foco naquilo que é eficiente e seu estilo (auto)promotivo, empreendedor e performático. Já para o E4, que tem um medo de ser dolorosamente carente, inadequado, falho ou defeituoso (Inveja), notamos seu foco naquilo que está em falta e seu estilo lamentador/lamurioso e julgador, ou moralista.

Mais a fundo, vemos que: o E2 tende a se declarar como atencioso, acolhedor, prestativo e altruísta, reagindo com Orgulho perante medos como ser sem valor, inalterável, inútil, não apreciado, carente, insignificante, não reconhecido, não necessário ou dispensável; o E3 tende a se declarar como bem-sucedido, eficiente, competente, focado e produtivo, reagindo com Vaidade diante de medos como falhar, ser incapaz, impressionar negativamente, ser incapaz de fazer algo, ser “o segundo melhor”, não brilhar, ser desmascarado, incompetente, ineficiente, sem mérito ou exposto; o E4 tende a se declarar como único, especial, profundo, “completo”/”realizado” e refinado/elegante/de bom gosto, reagindo com Inveja contra medos como ser inadequado, emocionalmente desconectado, comum, ordinário, mundano, abandonado, banal, defeituoso ou falho.

Cabeça — Pensamento, Ansiedade, Medo, Insegurança, Mundo Intelectual, Futuro, Inquietação Existencial e Busca por Segurança

Os tipos da tríade Cerebral correspondem ao centro de inteligência intelectual/racional. Desse modo, valem-se e dependem de tal inteligência para compreender as coisas e navegar pelo mundo em busca de segurança. Têm um foco no pensamento, podendo ser visto como o desejo de dar maior importância ao mundo interior de ideias; são conhecedores, intelectuais e visionários; podem demonstrar aversão, evitação e projeção, com foco na autoridade. Embora por vezes não expressem tão abertamente, são motivados a agir quando sentem medo ou ansiedade. Acima de tudo, querem tranquilidade durante sua busca por clareza e certeza, seja sob a asa de uma autoridade, teologia, filosofia ou palavra gentil.

Eles reagem com análises antes de tudo. Também, se conectam com as pessoas em um nível intelectual (aquilo que é tido como naturalmente estimulante ou, através da análise, bom ou ruim), e entendem o mundo ao compreender sistemas e teorias subjacentes ao que observam. Os tipos Cerebrais são guiados pelo foco no controle e pela busca por estabilidade, segurança e competência. Esses tipos valorizam coisas como racionalidade, inteligência, astúcia, ideias, pensamentos, criatividade, insights e interpretações analíticas da realidade.

Vemos que os tipos Cerebrais tomam suas decisões com base em processos mentais, conectando-se fortemente com as situações, coisas e pessoas conforme seus insights, interpretações e análises constantes da realidade profundamente observada; nota-se uma intensa conexão com o futuro, à parte da realidade verdadeiramente tangível e experienciável. Seu ego se direciona a encobrir uma ansiedade/medo ou insegurança interna intensa, proveniente de uma certa “aversão” ao mundo e dificuldades sobre segurança, agindo com determinado isolamento mental do presente e hipotetizando ou racionalizando em busca da tal segurança em questão que almeja (é uma necessidade e um impulso por “fugir do mundo” e se recuperar no seu próprio mundo intelectual mais seguro).

Na tríade Cerebral, observamos: movimentos sobre o medo/paranoia; “preconceito”; ódio; separação dos outros; pensamento; retraimento; medo do caos; necessidades de garantias/reafirmação; falta de orientação confiável (infância); aversão ao mundo; intelectualidade; atitude social introvertida; maior “masculinidade” social; associação a Yang e ao hemisfério esquerdo do cérebro — responsável por funções como linguagem, lógica, análise, matemática e pensamento sequencial. Mais analítico e orientado a detalhes, sendo também associado à capacidade de processar informações de forma mais verbal e racional.

Sobre a ansiedade (ou outros sentimentos de medo, aversão ou defesa) associada à inquietação existencial dos tipos da tríade Cerebral, temos diferentes reações: o E5 internaliza o medo e constantemente se preocupa com o futuro, sentindo-se incapaz de lidar com as demandas que virão, e por isso tende a se isolar para recarregar suas energias e encontrar soluções para os seus problemas de forma mais tranquila e segura; o E6 projeta o medo que sente dentro dele em todo o ambiente, pois é precavido e enxerga constantemente possibilidades catastróficas que podem acontecer no futuro, demonstrando/encarnando o medo que sente e como está preparado para o que vier; o E7 externaliza o medo e adota mecanismos de defesa para evitar a dor e ter prazer em todos os aspectos da vida, adotando uma atitude otimista em relação ao futuro para se defender, buscando constantemente experiências positivas e evitando situações que possam gerar desconforto ou sofrimento.

Notamos, também, determinadas declarações, estilos, focos e medos fundamentais nos Eneatipos. Para o E5, que tem um medo de não existir, ser aniquilado, não estar plenamente presente ou ser contaminado (Avareza), notamos seu foco naquilo que é observável em seus ambientes, relações (etc.) e seu estilo negociador ou diplomata. Para o E6, que tem um medo do próprio medo, de estar sozinho, desprotegido e tem tendências à submissão (Medo), notamos seu foco naquilo que pode dar errado e seu estilo burocrata, administrativo, moralista e ético. Para o E7, que tem um medo de ser incompleto, inferior, limitado ou confinado (Gula), notamos seu foco naquilo que é possível e seu estilo narrativo, descontraído, piadista, metafórico, alegórico, figurativo, pensador, visionário e criativo.

Mais a fundo, vemos que: o E5 tende a se declarar como perspicaz, conhecedor, observador, sábio e diferente, reagindo com Avareza perante medos como obrigações, aniquilação, intrusão, vazio, contaminação, excesso, ser ignorante, sobrecarregado, dominado, dependente ou invadido; o E6 tende a se declarar como dedicado, responsável, provocativo, leal, obediente e rebelde, reagindo com Ansiedade ante medos como o próprio medo, perigo, desvios, incertezas, caos, “ser culpado”, estar em apuros, ser covarde, submisso, estar sozinho, ser um alvo, estar desamparado, inseguro ou ser abandonado fisicamente; o E7 tende a se declarar feliz, otimista, divertido, entusiasmado e brincalhão, agindo com Gula contra medos como ser incompleto, inferior, limitado, de tédio, dor emocional, tristeza, decepção, crítica ou de perder oportunidades.

Intestino — Instinto, Indolência, Esquecimento do Eu, Conexões, Limites, Raiva, Movimento, Presente, Necessidade Carnal e Busca por Autonomia

Os tipos da tríade Intestinal correspondem ao centro de inteligência instintivo/ativo. Desse modo, valem-se e dependem de tal inteligência para seguir sua intuição e responder a ameaças tanto quanto oportunidades. Têm um desejo de direcionar o curso da própria vida e agir no mundo; se concentram no ambiente físico; são corajosos, instintivos, viscerais e julgadores; talvez “resiliência” os descreva bem. Embora por vezes não expressem tão abertamente, são motivados a agir quando sentem raiva de algo. Acima de tudo, querem evitar sentir-se insignificantes, ignorados ou negligenciados, e serem permitidos serem eles mesmos durante sua busca por aceitação e senso de bem-estar.

Eles reagem com um sentimento instintivo, uma intuição visceral profundamente sentida (até mesmo corporalmente). Também, se conectam com as outras pessoas com base em sua sensação física de conforto, entendendo o mundo por meio da percepção da reação de seus corpos ao que está acontecendo — “não fui com a cara de Fulano”, “não me sinto bem com essa ideia”, “já avisei que vai dar merda”; “meus pelos do peito sentem o perigo” (Earl Devereaux). Os tipos do Intestino são guiados pela ação/atitude ativa e instintiva, buscando manter sua independência e limitar o controle de influências externas, podendo responder com excessivo controle, passividade, agressividade ou perfeccionismo. Esses tipos valorizam coisas como controle, proteção, ordem, justiça, integridade, territórios, honestidade e responsabilidade. Nessa tríade, respectiva a uma fome/necessidade (e, portanto, busca) “carnal”, focada muito mais no mundo prático e no corpo físico, temos o E8, o E9 e o E1.

Vemos que os tipos Intestinais (também apelidados de “corporais”) tomam suas decisões com base em sensações físicas e corporais, conectando-se fortemente com as situações, coisas e pessoas conforme suas fortes energias físicas, como a raiva, a sexualidade e principalmente a inteligência da sobrevivência; nota-se uma forte conexão com momento presente e físico. Também vemos uma “inteligência do corpo”, ligada aos 5 sentidos. Seu ego se direciona a cobrir uma raiva interna intensa, proveniente de dificuldades sobre conexões e limites interpessoais, agindo no presente com “resistência” ao mundo e buscando autonomia. As decisões são tomadas com base nas sensações físicas, corporais e da inteligência do corpo, ligada aos 5 sentidos. São focados na execução e no controle de território; possuem um senso de justiça e ordem muito aguçados. A raiva é o que impulsiona a ação, cada tipo de uma maneira diferente.

Na tríade Intestinal, observamos: movimentos sobre a inconsciência (ou indolência) do espírito interior; “ignorância”; negação; adormecimento ao “verdadeiro eu”; autoesquecimento; raiva; medo de negligência (ou ser negligenciado); necessidades de aceitação; falta de espaço para ser/existir (infância); movimentação constante (psicológica e, provavelmente, física); agressividade; atenção nas reações corporais instintivas; atitude social ambivertida; “androgenidade/unissexualidade/ambissexualidade” social; associação a Yin e Yang (símbolo completo) e ao cérebro posterior — também conhecido como tronco cerebral, a parte mais antiga do cérebro humano e está relacionado a funções vitais como controle de batimentos cardíacos, respiração, reflexos e outras funções automáticas do corpo. Ele é crucial para a sobrevivência e funcionamento básico do organismo.

Sobre a raiva (ou outros sentimentos de estresse ou revolta) associada à necessidade carnal dos tipos Intestinais, temos diferentes reações: o E8, não reprime, mas sim expressa abertamente a sua raiva, de forma direta e autêntica, não tendo medo de mostrar suas emoções (e até mesmo as impondo); o E9 tende a evitar conflitos e suprimir/reprimir a raiva para manter a paz e a harmonia, “ficando conscientemente inconsciente” à raiva e a si mesmo, mas podendo explodir colocando tudo pra fora quando fica bravo; o E1 retém a raiva e a sente internamente, pois acredita que não é correto expressar tal sentimento, embora possa expressá-lo com criticidade e ressentimento elevados.

Notamos, também, determinadas declarações, estilos, focos e medos fundamentais nos Eneatipos. Para o E8, que tem um medo de ser humilhado, controlado, impotente ou vulnerável (Luxúria), notamos seu foco naquilo que é vulnerável em seus ambientes, relações (etc.) e seu estilo imperativo, forte, imponente e punitivo. Para o E9, que tem um medo de não ser amado, ser excluído, discordante ou desarmônico (Indolência/Preguiça), notamos seu foco naquilo que é harmônico e seu estilo narrador/ancião, pacifista, parental e amigável.

Mais a fundo, vemos que: o E8 tende a se declarar como poderoso, protetor, direto e autêntico, reagindo com Luxúria (Excesso) perante medos como ser fraco, impotente, subestimado, desempoderado, humilhado, vulnerável, medíocre, prejudicado, controlado, manipulado ou injustiçado; o E9 tende a se declarar como amigável, tranquilo, pacífico e humilde, reagindo com Preguiça/Indolência diante de medos como entrar em conflitos, não ter amor, separação, ser desconfortável, sem importância, negligenciado, excluído, discordante, complicado ou desarmônico; o E1 tende a se declarar como “bom”, correto, no controle, responsável e diligente, agindo com Raiva/Ressentimento contra medos como estar errado, ser mau, raivoso, inadequado, desqualificado, corruptível, irresponsável, descuidado, condenado ou irreparável.

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