Focinheira — 17.04.24

Se o dragão abrisse suas presas para lançar todo seu encanto sobre o outro, o que o protegeria de ser atingido com fogo guela’baixo, justo onde é mais sensível? Não tem como ter certeza ou segurança o suficiente pra retirar a focinheira do temor; prefiro continuar falando baixo e sendo indisponível.

Se cuspissem em minha boca com o fogo escuro da desilusão e da rejeição, todo o veneno que guardo dentro de mim queimaria. E não há como evitar essa agonia. Aprisionado por este medo de ser maltratado, isolo-me num mundo de eterna fantasia; minha escuridão é o palco dos astros celestes, e eu sou aquele que tudo cria.

Mas me sinto com fome. Então, traço minha cauda, tentando me fazer infinito, mas nunca a alcanço. Estou em busca de alguém que ame, mas sempre me canso. No fim, não tenho com quem ser manso, e nem quem possa me aquecer no descanso. *

O dragão, de sorriso caído e olhos cansados, se resigna na prisão. Suas dores e seus venenos pingam, amaldiçoados. Escapa, por debaixo das escamas, os moios de inadequação que passaram por tanta introjeção. Mas engolir a gasolina não foi suficiente, nem mesmo uma sábia escolha. Agora, tornara-se uma máquina na encolha.

Deita no quarto, escuro e apertado, como um gato, largado — por vezes estirados. Afinal, não é isso o que os dragões são? Gatos, rejeitados e abandonados… Mas não com gentis donos e sendo bem-cuidados: sendo ocultados, morando no porão junto às tristezas e aos fardos de seu ser desnorteado.

Pouco ruge, pouco brada… Pouco pede, pouco estraga; mas muito fede, muito rosna… Muito foge, pouco entrosa. E, no final, não há o desabrochar da rosa. Não existe um contato com a experiência de beleza, apenas com a dolorosa. E o dragão finge não sentir tristeza. Pouco se sente atingido por si mesmo, mas se sente queimado pelos espinhos da rosa. Nunca a abraça, apenas a admira de longe. Vê muita graça, mas esconde.

É entidade guardada num manto de sombras com olhos brilhosos, brancos e brandos. Faz silêncio — mas deseja estar aos prantos. Mas viu que não o salva em nada, então preferiu permanecer calada. Pressionada e reprimida, tornou-se fragilizada e comprimida, retraída. É densa, é tensa; pede licença e nunca profere ofensa, nunca é intensa, não como desejaria — isso a mataria, então prefere permanecer na fantasia.

De patas sobrepostas, ela repousa sua cabeça a queixo e, silenciosamente, admira a rosa. Nesse eterno castigo, observa, sem qualquer emoção. Ao som de labaredas fracas, sente fome, e sonha, e idealiza a comida que satisfará seu ser, o licor purificado que a fará contente. Mas não existe libertação, e não há redenção — não se deve comer as rosas para degustar sua beleza, então… permanece mansa, e domada pelos próprios medos, na prisão, sem poder morder, comer, dilacerar ou mamar; ela permanece, aprisionada por sua voracidade. A focinheira retém sua intensidade e a impede de alcançar o ser. Pensa em morrer, mas deseja apenas realmente viver. Quer subir: iluminadas, as escadas para fora do porão, para além do portão… quer conhecer, quer crescer: quer deslumbrar o amanhecer e escutar o anoitecer, sem o sentimento de não pertencer ou de dever. Quer tocar o gramado e não se sentir mais culpado. O que é a focinheira? O pecado.

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