Espirais — 15.08.24

Nosso cabelo cresce pra cima. Temos cabeças afiadas. Se nos quiser dar chamego, vai ser enrolado por nossa beleza, será hipnotizado por nossos cachos. O segredo do universo está em nosso cabelo que cresce contra a gravidade e que se ergue aos céus em espirais, e absorve sua grandeza úmida.

Nosso cabelo é duro, como nossa vida. Com uma dureza tão suave, faz sentido o preto ser a verdade. Nossa melanina escreveu a história da humanidade, e só vai ficar cada vez mais negra na medida em que nos oprimem. O braço dos negros, que outrora segurou enxadas e lágrimas, hoje segura o orgulho da própria cor. O aperto no tecido da vida marca nossa força e nosso direito.

Restam-nos apenas verdades escuras e duras, enquanto aos brancos sobram sonhos claros e doces. Mas o néctar, o licor de nossa pedra negra, há de ser melhor que o vosso mel. Faz-me pensar como a branquidão não roubou de nós tudo o que tínhamos. Construiu falsos impérios sobre nossa eterna negritude, iluminando apenas os próprios orgulhos.

Nunca se pôde confiar naqueles que brilham. Sobrevivem os mais discretos, e ajudam-se entre si aqueles mais espertos. Pois esta é a verdade: se queres ir longe, vá sozinho; mas se queres ir longe, vá em grupo. E estamos todos unidos. O espaço contra as estrelas. Orgulhosos esses peixes que acham que a água nada mais é que um direito irrevogável. Não há fardo em vossas mentiras. Mas os códigos de barra marcados em nossas costas nos fez eternos produtos teus.

Não fui feito ao leite. Edifiquei-me amargo, pois sou o puro fruto da natureza. Fui queimado nas chamas de um amor pela vida, que me fez ter fé na escuridão, divina irmã da luz, e que me fez tão doce quanto o amargo caroço queimado. Vivo de sementes, não de cascas. Vivo de raízes, não de frutos.

Last updated