Homem das Neves — 25.04.24

Você viu aquela criatura nas neves? Ela tinha medo do sol. Parecia ter chifres; fora traída, por isso decidira ir morar nas montanhas, isolada de todo o calor. Andava nua, mesmo naquele clima congelante. Não polia o próprio corpo, e parecia feliz com isso.

Era uma criatura esquiva, suspeita, com dificuldade de comunicação; grunhia. Causava medo nos moradores da região, não tinha interesse em fazer amizade com eles.

Vivia da própria dor e evolução. Era de fato um animal. Embora grande, era manso, respeitoso e educado. Essa foi a história que me contaram. [...]

Mas ele não parece ser como contam... Por baixo daquela manta de pelos brancos dos pés à cabeça, existe um calor. Mesmo sem rosto, vi nele olhos mais confiáveis do que na maioria das pessoas.

Há pouco, me perdi correndo na floresta em pleno inverno. Estava pronto pra morrer. Um monstro vinha em minha direção: era um homem, um homem rico e influente. Havia brigado com ele no bar. Achou que eu era menos humano do que ele e correu atrás de mim até a floresta com um machado.

Quando caí durante a fuga, um monstro apareceu do meio das árvores, afundando a neve do chão com suas pegadas enormes. Era alto como dois homens e quase alcançava o topo das árvores com seus braços. Ele jogou o homem contra uma árvore. Me pegou no colo e me levou à sua casa.

Mas como pode? O monstro tinha casa? Talvez ele fosse melhor do que aquele que me perseguia. Era um recanto de madeira escondido por sob a neve. Parecia discretamente enterrado sob a colina branca, como se atingido por uma avalanche.

Me colocou na cadeira e sentou-se à mesa comigo. Parecia tranquilo. Disse-me, com uma voz grave e pesada, para ali descansar e passar a noite, que eu me perderia se tentasse voltar, que de manhã me ajudaria.

Naquele inverno, eu jamais adivinharia que quem me trataria com mais ternura seria aquele que mora nas neves. Sua casa era como um iglu: construída pela dureza e pela frieza do gelo, mas resguardava o conforto como o de um útero.

De manhã, o Homem das Neves me levou através da floresta até perto da vila. Ele parou ainda um pouco atrás das árvores, não ultrapassou até onde pudesse ser claramente visto. Despedi-me com um aceno. Calado, ele apenas baixou a cabeça por um instante, virou as costas e sumiu naquele reino.

Nunca mais o vi. Mas, quando voltei, ele estava no mesmo lugar, vivendo da mesma simplicidade. Ele nunca veio atrás de mim, mas talvez fosse eu que precisasse encontrá-lo.

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