Porco Altivo — 17 a 19.06.24

A lâmpada acende, e o papel é tingido.

Às vezes é só lâmpada,

Outras, mero sentimento fingido.

Só mais um porco reclamando da lama,

Em ressentimento antigo, em busca de sentido

— Sem ver o alto céu no barro úmido de drama.

Mas de que me vale lançar no papel a lama

Se nele não puder mergulhar no vazio?

Prefiro ignorar o Sol e toda a sua fama,

Negar seu brilho e me lançar no branco sombrio;

Rejeitar a falsa bondade desse mundo em gana,

E salvar-me dessa amargura hostil.

Não sou vil, estou apenas perdido.

Sou altivo — para não ser agressivo —,

Mas é tudo só um castigo,

Porque, se eu não mantiver elevado o crivo,

Como encontrarei no mundo abrigo

Em meio a tanto desesperante perigo?

Queria apenas mais que um amigo,

Que não me obrigasse a ser e torná-lo endividado,

Que atendesse meu pedido e que me fosse abrigo.

Então meu coração devedor seria perdoado,

Então enfim seria liberto do peso cansativo.

Deixaria de ser gado e passaria a ser sagrado.

Bastaria que eu amasse sendo amado,

Então enfim veria algo de positivo

Nessa vida que tanto me tem rechaçado.

Deixaria de ser hostil para ser cativo…

Não mais me sentiria condenado ou execrado.

Tudo enfim teria sentido, objetivo.

Eu não precisaria mais encontrar algo

Que me distinguisse, que me permitisse.

Não precisaria mais da dívida dar cabo,

Porque eu descansaria num eclipse;

E enfim meu passado teria sido pago,

E seria liberto dessa dureza que persiste.

Eu seria salvo do lago amargo,

E em muito mais da vida haveria chiste.

Não haveria mais o fardo de buscar cargo,

E assistíamos a um alegre filme triste,

Sem que me privasse de lançar meu brado

Na fornalha do teu coração, para que sorrisse.

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