Crivos e Abismos — 04.08.24

Pai, eu não quero ir lá,

Não quero ser forte e muito menos me provar.

Mãe, eu não quero te deixar,

E não quero estar aqui se for pra te ver chorar.

Não parece valer a pena estar aqui,

Não se a senhora não for me reconfortar,

Ou se o senhor me abandonar na batalha,

Se fingir que não tem forças pra me amar

Não sou guerreiro do aço como o senhor,

Tampouco guerreiro das águas como a senhora.

Sou guerreiro das árvores de inverno!

Mas não tenho mata e perco a hora...

As árvores não parecem tão altas quanto o céu,

E até a grama parece estar da cor errada.

Tudo parece lânguido por trás deste preto véu,

E minha espada brande torta sem tua errata.

Mas como poderia haver avaliação tal?

Ao menos no mundo dos tristes vivos…

Se apenas os mortos são felizes sem igual,

Sabem de todas as verdades do altivo.

Só que os mortos não me partilham segredos suficientes,

Para que possa eu viver entre os vivos inclementes.

Mas prefiro mesmo o conforto de fantasmas contundentes,

Do que o desagrado de pessoas sem crivos ardentes.

Não há nada para mim na água, nem nas minas,

E achei que encontraria razão nas árvores,

Em seus elevados refúgios e tempestades surdinas,

Mas somente fui rejeitado pelas aves de Sartre

Porque não quero imaginar Sísifo feliz,

Quero jogá-lo morro abaixo, ele e sua pedra,

E então vão juntos todos os males que nunca quis

Somente assim poderia ver o céu, durante a queda

E já parece que não mais amo o céu,

Mas sim a queda, porque sofrer é verdadeiro,

E a luz do sofrimento ressoa-me doce como mel.

Meus sentidos se trocam à queda do desfiladeiro.

Mas tudo bem na sinestesia, porque nasci herdeiro

Do mal deste mundo, e de tudo o que há nele

Sem um pingo de originalidade, mas com mares de receio

Minha insalubre anestesia — descarregar tudo no seio Dele.

Ele, que não existe e que, se sim, nos quis condenar

À mesma dor que sentiu ao se encontrar

E que nos presenteou com a morte, porque sabia a dor da eternidade

Mas nos condenou, fez-nos burros o suficiente para amar

No fim, tenho nojo, somente sinto desgosto,

Por essas pessoas que nem mesmo olharam

Em meu rosto verdadeiro e de eterno fosco.

Em verdade, vejo este mundo como insosso.

Não sou da água, da selva ou do metal,

Sou águia negra que julga e canta mal

Sou corvo que despreza canário de quintal

Meu coração é rude e minha alma sem graal.

Só assim o mundo parece banal

Ergo vôo e rio do mordaz terremoto

Mas me embrulho no turbilhão de paixão animal

Grito e me contorço, mas nunca me solto

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